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REPORTAGEM PUBLICADA ORIGINALMENTE NA REVISTA SETIN DE JUNHO DE 2018, SOB O PSEUDÔNIMO DE ANTÔNIO ANDRADE. AQUI, VOCÊ ENCONTRA O TEXTO COM A EDIÇÃO ORIGINAL DO AUTOR
O grafeno, a memória eterna, o plástico de camarão e a MLD são apenas alguns exemplos do que vem por aí; promessa é que novidades tornem nossas vidas muito melhores
Que o mundo está mudando a passos rápidos, você já sabe. Aquecimento global, saúde, relações sociais… São vários os fatores que influenciam diretamente nossas vidas e que, não raramente, nem nos damos conta do que está tornando nossos dias piores.
Enquanto isso, a ciência não tira folga. Para cada novo problema, surgem diversas pesquisas buscando uma alternativa para melhorar a situação.
Nessa reportagem, a Setin buscou novos materiais que vão – ou ao menos têm o potencial de – mudar o mundo em um futuro não tão distante. São soluções que partem do universo das micropartículas, como é o caso do incrível grafeno, até coisas gigantescas, do tamanho de um prédio de 53 andares, como a madeira laminada cruzada (MLC). Também fomos atrás de um cartão de memória que pode armazenar toda a Biblioteca do Congresso, em Washington D.C., e de duas mantas de plástico quase mágicas: uma capaz de manter sua casa fresquinha, mesmo nos dias mais quentes, e a outra, com uma capacidade impressionante de descontaminar o ambiente. Ah! Também tem um tal de shirilk, plástico biodegradável feito de camarão, que pode diminuir a contaminação ambiental causada pelo polímeros sintéticos.
Soa bem, não é? Em pouco tempo, a humanidade vai precisar de cada uma dessas inovações – e muitas outras – para enfrentar e combater os piores efeitos das mudanças climáticas, melhorar a capacidade das empresas em armazenar dados, ou apenas aumentar nossa produtividade no trabalho.
Confira cada uma delas a seguir.
Grafeno
Se os materiais formassem uma Liga da Justiça de super-heróis, o grafeno seria o super-homem. Ele é mais forte do que o aço, mais rápido do que o silício, conduz eletricidade e calor melhor do que qualquer outro elemento na indústria, é flexível, leve, transparente e inacreditavelmente fino, da espessura de um átomo. O material é tão incrível, que, em 2010, rendeu o prêmio Nobel aos físicos Andre Geim e Konstantin Novoselov, por terem isolado o grafeno pela primeira vez na história.
Com tantos predicados, não é de espantar o potencial uso do grafeno em diversos setores da indústria. “Uma onda está vindo e vai virar o mundo de ponta-cabeça”, alerta o professor José Augusto Brito, coordenador do MackGraphe, o Centro de Pesquisas Avançadas em Grafeno da Universidade Presbiteriana Mackenzie. “Estamos falando de um material revolucionário, que tanto pode melhorar muitas coisas que já existem, como reinventar tantas outras”, explica.
Na área de telecomunicações, por exemplo, o uso do grafeno em redes de fibra ótica pode aumentar a capacidade de transmissão de dados. Toda a eletrônica será impactada, com os computadores tendo uma performance milhares de vezes superior aos equipamentos atuais. Em energia, baterias a base de grafeno terão muito mais capacidade, serão mais leves e duráveis. Até a indústria têxtil pode ser impactada, com roupas de menor peso e capazes de gerar eletricidade.
Enfim, suas capacidades são ilimitadas e pesquisas com o material ainda estão apenas no início. A seguir, listamos três novidades a base de grafeno que podem beneficiar a vida de milhões de pessoas em um futuro próximo.
Graphair
Um grupo de cientistas da Organização de Pesquisa Científica e Industrial da Commonwealth da Austrália desenvolveu uma novidade que pode tornar potável até mesmo as águas terrivelmente poluídas do rio Pinheiros, em São Paulo. Trata-se de uma fina membrana feita de grafeno, a qual batizaram de Graphair (mistura das palavras inglesas graphene e air, grafeno e ar, respectivamente). Segundo os pesquisadores, apenas uma passagem pelo filtro é necessária para a purificação do líquido.
Nesse sentido, uma brasileira também merece destaque. Ela é Nadia Ayad, que atualmente faz doutorado em Bioengenharia na Universidade da Califórnia, nos EUA. A cientista desenvolveu um sistema de dessalinização e filtragem d’água, que tem o grafeno como elemento principal.
Ao criar o sistema, Ayad levou em consideração a propriedade do material de agir como uma membrana de dessalinização e peneiração. O projeto venceu uma competição internacional organizada pela empresa sueca Sandvik, que busca ideias ao redor do mundo para o uso sustentável do grafeno.
O professor José Brito, do MackGraphe, diz que ainda não dá para avaliar o uso em larga escala dessas invenções, mas enfatiza o poder de filtragem do grafeno: “Por ele, só passa H2O”.
Carbono magnético
Outra novidade relacionada ao grafeno vem da República Tcheca. Trata-se do primeiro ímã não metálico funcional em temperatura ambiente. Desenvolvido por um time do Centro Regional de Tecnologias Avançadas e Materiais da Universidade Palacky de Olomouc, o novo magneto acaba com a crença de que somente metais eram capazes de manter suas propriedades magnéticas em temperatura ambiente.
Na prática, o carbono magnético pode ser de grande utilidade nas áreas de biomedicina e eletrônica. Como explica Jiri Tucek, cientista integrante do time que desenvolveu o material, na medicina, por exemplo, a novidade poderia ser usada para a liberação de drogas em áreas específicas do corpo e para a separação de moléculas usando campos magnéticos externos.
Transístor a base de grafeno
Se você ainda não está convencido de que o grafeno terá tanto impacto no seu dia a dia, prepare-se para mudar de ideia agora mesmo. Por conduzir o calor dez vezes melhor do que o cobre e eletricidade 250 vezes mais rápido do que o silício, o material deve ser a base de uma nova geração de transístores.
Qual a importância disso? Bem, os transístores formam o coração de um processador, uma das peças mais importantes de um computador. Assim, com os circuitos feitos a base de grafeno, o processamento de dados pode ser feito mil vezes mais rápido e consumindo cem vezes menos energia.
É o que garante pesquisadores das universidades norte-americanas de Northwestern, do Texas em Dallas, de Illinois e da Flórida Central. Eles desenvolveram os tais transístores, que em breve estarão nos computadores mais avançados.
Manta proteica
Foram necessários dez anos de estudos para que o time de cientistas da Universidade da Califórnia em Berkeley, nos EUA, entendesse como poderiam manter enzimas funcionais em polímeros sintéticos (plástico). As proteínas precisam de determinadas condições para que cumpram suas funções, e como explica a professora Ting Xu, dos departamentos de Ciência & Engenharia de Materiais e Química da universidade, isso se dá em ambientes completamente diferentes dos encontrados na matéria plástica. “Depois de analisar a sequência da proteína, descobrimos as simples regras de design em termos de padrão estatístico da distribuição do aminoácido. Quando mimetizamos esse padrão, descobrimos uma nova classe de polímeros capazes de estabilizar as proteínas”, revela Xu.
Mas, afinal, qual a importância em se manter enzimas funcionais em uma manta de plástico? Como explica a professora, as possibilidades desse novo material são imensas. Pense que existem diversas enzimas por aí e que cada uma delas tem uma função catalisadora específica. Ou seja, elas facilitam algumas reações químicas que, sem sua intervenção, ocorreriam de forma mais lenta. “As enzimas são altamente desejáveis. Elas são substratos específicos, energeticamente eficientes e ambientalmente amigáveis. Na natureza, o ecossistema não possui um depósito químico ou um laboratório sintético ou de coleta de lixo”, explica Xu. “Desenvolver materiais que contenham enzimas que promovam uma reação química fora de um organismo vivo pode se tornar uma grande contribuição nessa área, podendo mudar completamente a forma como os humanos interagem com a natureza”, completa.
Um exemplo desse potencial está no campo da biorremediação para descontaminar áreas afetadas por inseticidas. Como revelam os estudos da UC, em apenas poucos minutos, a manta foi capaz de degradar um volume de veneno de aproximadamente um décimo do seu peso total.
Não há previsão de quando essa novidade vá chegar ao mercado, mas Ting Xu adianta que em breve será lançada uma startup para tratar desse assunto.
Cartão de memória eterno
Quarenta anos atrás, a NASA lançava as sondas espaciais Voyager 1 e 2 com a missão de explorar o espaço. Em cada uma das naves, a agência espacial instalou um disco de 12 polegadas feito de cobre e banhado a ouro. Ali estão gravadas 115 imagens em preto e branco, saudações em 55 línguas, uma série de sons naturais da Terra, além de uma playlist que vai de Beethoven a Chuck Berry. A seleção do material foi feita por uma equipe coordenada por Carl Sagan (1934 – 1996), cientista popstar, que se tornou famoso pela série Cosmos, exibida nos EUA durante os anos 1980. Assim, se eventualmente alguma civilização alienígena encontrar os equipamentos, poderá aprender um pouco sobre a diversidade da vida e as diferentes culturas encontradas na Terra.
Fantástico, não? Mas se as naves fossem lançadas algumas décadas no futuro, ao invés dos bolachões dourados, talvez a NASA optasse por algo mais simples, como uma espécie de memory card feito a partir de substratos de vidro de alta pureza do quartzo ou da sílica. Em resumo, seriam discos de vidro hiper-resistentes, medindo aproximadamente 12 centímetros de diâmetro e com uma capacidade gigantesca de armazenagem de informação: meros 360 terabytes.
Para se ter uma noção do que isso significa, você teria espaço para gravar não só uma limitada seleção de fotos e sons, mas todo o acervo da Biblioteca do Congresso, em Washington D.C., que tem aproximadamente 15 milhões de itens distribuídos em três prédios.
A durabilidade do brinquedo também impressiona. De acordo com o Peter Kazansky, professor do Centro de Pesquisa Optoeletrônica da Universidade de Southampton e responsável pelo time que desenvolveu o dispositivo, o disco suporta temperaturas de até 1.000°C e, virtualmente, pode durar para sempre.
A notícia ruim é que a tecnologia desenvolvida pela equipe de Kazansky ainda não chegou nessa etapa. “No momento, trabalhamos com modelos de 25 milímetros de diâmetro. Mas no futuro, quando o produto estiver no mercado, poderemos encontrar o padrão de 12 centímetros e 360 TB de capacidade”, explica o professor. “Essa tecnologia pode garantir a última evidência de nossa civilização: tudo que aprendemos não será esquecido”, celebra.
E isso não deve demorar muito a acontecer, principalmente depois que a gigante Microsoft se tornou parceira do projeto.
Película ar condicionado
Ronggui Yang e Xiaobo Yin, da Universidade do Colorado, podem ter criado algo que vai sacudir o mercado mundial de ar condicionados e, de quebra, contribuir para a redução das emissões de carbono na atmosfera. Não, eles não inventaram uma nova geladeira ambulante ecológica, mas o produto pode proporcionar conforto nas horas mais quentes do dia sem aumentar em um único centavo a conta de luz do usuário.
Os dois inventaram um filme capaz de refrigerar construções por meio de um processo chamado resfriamento radioativo. Trata-se de uma espécie de cobertura plástica prateada com miçangas de vidro. O artefato tem o poder de refletir de volta ao espaço certas ondas de radiação infravermelha carregadas de calor e que não ficam presas na atmosfera.
Os pesquisadores estimam que 20 metros quadrados do filme instalados no telhado de uma casa média dos EUA sejam suficientes para manter o ambiente em agradáveis 20°C, enquanto lá fora um sol de 37°C estiver fritando a cabeça das pessoas.
Shrilk: plástico de camarão e seda
A humanidade é viciada em plástico. Se por um lado o material traz uma série de vantagens para a indústria e seus consumidores, por outro, também é agente impiedoso da degradação ambiental. Consumimos 300 bilhões de toneladas do produto por ano. Só 3% desse total vai para a reciclagem. O resto fica por aí, contaminando o ambiente por centenas de anos.
Com o objetivo de atacar esse problema, pesquisadores do Instituto Wyss, da Universidade de Harvard, criaram o shrilk (junção das palavras inglesas shrinp e silk – camarão e seda, respectivamente). Trata-se de um bioplástico feito a partir da quitosana, um subproduto da quitina presente, por exemplo, na casca de camarões e nos casulos do bicho da seda.
Descartado adequadamente, o novo material se decompõe em cerca de três semanas, liberando nutrientes que podem ser utilizados como fertilizantes para plantas.
Madeira laminada cruzada
Quando o Tall Wood Residence, em Vancouver, no Canadá, ficou pronto no ano passado, passou a encabeçar a lista das construções de madeira laminada colada cruzada (MLC) mais altas do mundo. Ok, o prédio de 53 metros de altura nem se compara em tamanho ao Burj Khalifa, em Dubai, até agora insuperável nos seus 828 metros apontando para o céu. Mas essa contraposição não faz sentido. O ponto aqui é que, enquanto o gigante árabe se segura em pé no bom e velho concreto, o nosso herói canadense é feito de um material inovador, que, se usado em larga escala, pode reduzir o impacto ambiental da construção civil e aumentar os ganhos das construtoras.
A MLC, como o próprio nome sugere, é um material composto por madeira e cola. Sua fabricação envolve a junção de grossas camadas de pinus ou eucalipto em graus alternados, proporcionando uma resistência absurda ao material. Tanta é a sua força, que pode tranquilamente ser utilizado como elemento de parede quanto de laje, fazendo parte de estruturas que, como demonstra o Tall Wood Residence, passam dos 50 metros de altura.
Para a professora Taienne Ecker, mestre em Engenharia de Estruturas pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), a MLC é um novo conceito da engenharia de estruturas, que fornece novas possibilidades em áreas ainda dominadas pelo concreto armado, aço e alvenaria. “Suas características permitem a construção de edifícios com vários pavimentos, além de contribuir para o desenvolvimento sustentável”, explica ela, referindo-se ao volume de carbono sequestrado pelo material (em média, um metro cúbico de madeira armazena uma tonelada de CO2, enquanto o cimento, ao contrário, emite 900 quilos do gás por tonelada produzida).
Além disso, uma construção com MLC causa menos poluição sonora e as construções podem ser erguidas mais rapidamente e com menos trabalhadores do que em um prédio comum. “Acredito, e espero, que a madeira laminada cruzada venha a se tomar mais popular que o concreto, pois é uma questão de necessidade”, enfatiza Ecker. “Precisamos começar a adotar práticas sustentáveis, que reduzam as emissões de poluentes na atmosfera, o consumo de água e a geração de resíduos sólidos. A MLC é uma alternativa para isso!”, conclui a professora.